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Comerciantes relatam medo com mudanças na Ceasa: 'só Deus sabe como vamos ficar'

Trabalhadores formais e informais da Central de Abastecimento da Bahia (Ceasa), que fica em Simões Filho, estão insatisfeitos com a concessão do equipamento, que passará por requalificação e ficará sob responsabilidade de uma empresa privada. Os ambulantes temem ficar sem poder trabalhar e os credenciados reclamam das mudanças que devem acontecer e dos preços dos aluguéis. Na manhã desta terça-feira (31), um protesto foi organizado na BA-526, conhecida como Cia-Aeroporto. 

Os manifestantes bloquearam duas faixas da via e atearam fogo em pneus e pedaços de madeira, além de impedir o acesso à Ceasa. Houve retenção e o congestionamento se estendeu até a altura da BR-324. Equipes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros foram até o local para conter o incêndio e ordenar o trânsito. 

A concessão da Ceasa está prevista para acontecer ainda este ano, mas os trabalhadores querem uma revisão do plano e diálogo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE), responsável pelo equipamento. 

Robson Araújo tem 54 anos e está entre os cerca de 1.300 ambulantes da Ceasa há seis anos. Ele vende acessórios para carros por lá nas segundas, quartas e sextas, “que é quando tem uma feira que traz bastante movimento” e, nos outros dias, roda a cidade. Ele tem um filho que está desempregado e é como ambulante que Robson tira o sustento da casa desde que perdeu o emprego de motorista com carteira assinada. 

Segundo Robson, os trabalhadores informais ainda não foram chamados para conversar sobre a concessão e não foram cadastrados, ao contrário dos formais, que ocupam boxes, pedras e toldos no local, pagando aluguel. “A gente fica só escutando os burburinhos. Parece que vão fazer algo do lado de fora para a gente, mas aí não tem como. É um espaço que não vai ter segurança nenhuma e a gente ainda não vai poder circular, o que dificulta a venda”, diz. 

Desde que ouviu falar na concessão, a preocupação vem acompanhando Robson na rotina de trabalho: “Trabalhar com venda é complicado, tem dia que é bom e tem dia que é ruim, mas a gente vai levando e vai dando para pagar as contas. Eu fico preocupado porque é da Ceasa que vem o meu sustento mesmo. Ter que sair de lá é uma possibilidade que assusta. Se isso acontecer, só Deus para saber como é que eu vou ficar”, acrescenta. 

Mas não são só os ambulantes que andam preocupados. Marcos, que preferiu não revelar o sobrenome, tem 37 anos e vende frutas na Ceasa desde os sete. O ponto era do avô, que passou para o pai e hoje passou para ele. “É daqui que eu tiro o meu sustento. É Deus no céu e a Mãe Ceasa na terra. É assim para muita gente, isso aqui abastece quase Salvador inteira”.

Marcos se queixa do preço do aluguel que paga, mas também foi ao protesto pelos companheiros ambulantes. “Querem deixar os pequenos de lado. Não sou nenhum empresário nem nada, então eu vejo o lado dessas pessoas que também precisam daquilo ali para sobreviver. Eu sei que a concessão tem uma proposta de melhorar as coisas, mas do jeito que eles estão colocando fica difícil”, destaca o trabalhador. 

Cláudio, que também optou por não informar o sobrenome, de 36 anos, também defende a permanência dos informais. Ele vende cebola na Ceasa há quatro anos e muitos dos seus clientes são os próprios ambulantes, que compram para revender. Ele tem três filhos e a esposa está desempregada. Hoje ocupa o lugar do pai na venda comandada pelos primos. “Eles herdaram do meu tio. Vinham para cá chupando chupeta no caminhão e estão aqui até hoje. A história da nossa família foi construída na Ceasa”. 

Cláudio é trabalhador formal da Ceasa, mas defende permanência dos ambulantes (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Ele diz que o local precisa de reforma, que a concessão é positiva, mas que os ambulantes não podem ficar de fora. “Os sanitários estão ruins, ficam sujos e as portas estão quebradas. E tem goteira em muitas partes da Ceasa, que fica molhando a minha mercadoria. Então eu defendo a reforma e concessão, mas está todo mundo sem saber direito o que vai acontecer. Estou vendo muita gente perdida que não está entendendo nada. Eu só espero que meu ponto fique garantido e que meu aluguel não aumente”, conta. 

Jurandir, que, assim como os demais, não informou o sobrenome, tem 61 anos e vende legumes e verduras na Ceasa há 27. Mesmo não sendo ambulante, ele diz que, com a concessão, os trabalhadores formais que têm pedras (um espaço de 3 m²) serão transferidos para um local ainda menor e sem cobertura. “É uma caixa de fósforo. No novo local não vai ter espaço para colocar minha mercadoria direito e não vai ter como eu ficar trabalhando junto com meu filho, vai ser ou eu ou ele”, explica. 

O comerciante paga R$ 300 de aluguel e diz que está difícil bancar o valor. “Já estamos enfrentando uma pandemia, que bagunçou tudo para a gente. Como que a gente vai aguentar um preço desse por mês e num lugar pior do que estamos agora? A gente paga pelas mercadorias que a gente compra e estão mais caras, paga o caminhão que transporta as coisas e ainda tem as coisas de casa, o gás está 100 reais. E eu ainda pago um cartão de saúde porque tenho labirintite, tive chikungunya e tenho um monte de problema na coluna, tomo remédio”, diz Jurandir.

Jurandir reclama do preço do aluguel e não sabe se terá condições de continuar pagando (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Para Uesley, de 40 anos, os valores também estão altos. Ele vende frutas na Ceasa há 25 anos e está com medo de perder o ponto. “Fico preocupado que o preço dos aluguéis aumente ainda mais depois da privatização. Esse mês eu estou com um boleto de 400 reais. Aí a corda vai arrebentar para os pequenos. Se tiver que continuar a pagar esse valor eu não vou ter condições. A tendência é aumentar o preço para ver se os pequenos saem e ficam só os empresários, aqueles que têm boxe porque dizem que a gente incomoda eles”, desabafa. 

A mãe de Uesley tem um restaurante no local há quase dois anos e o filho diz que há risco de perder também esse comércio. “O aluguel de lá aumentou de 300 para 400 reais e até dinheiro emprestado a gente já pediu”, destaca. Para ele, nesse requisito, os ambulantes atrapalham. 

“Eles não pagam nada e ficam aqui vendendo quentinha a preços mais baratos. Chegam com um carro, aí fica o isopor na mala com 100 a 150 quentinhas. Vendem tudo, fecham a mala do carro e vão embora. E a gente fica aqui atrás de cliente”, completa. 

Segundo Uesley, foram feitas reuniões com os trabalhadores formais, onde a proposta de concessão foi apresentada, mas eles continuam insatisfeitos. “Na verdade foi para eles apresentarem a proposta. Muita gente falou dos problemas, disse que não estava de acordo. Aí até agora não vimos alteração nenhuma. É uma humilhação, como se a gente não valesse nada. São os pequenos contra os grandes”, finaliza o comerciante. 

Uesley diz que a família precisou fazer empréstimo para arcar com despesas (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Consulta e audiência pública

Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia, foi  instituída, no dia 16 de agosto,  uma  comissão  para  acompanhamento dos  atos  de regulação dos  usuários  da  Ceasa,  por  meio  da  Portaria  034/2021,  que abrange  os  trabalhadores informais, “no  intuito de  resguardar  o  desenvolvimento  social  e econômico  da  população  com  a  inserção  de diretrizes  norteadoras ao  futuro concessionário no Edital a ser publicado após análise dos setores competentes”, diz a nota.

A SDE diz ainda que foram realizados roadshows para acolhimento de contribuições e que fez parcerias com órgãos responsáveis pelo cadastramento dos trabalhadores para mapear a dinâmica de operação atual. 

A Consulta  Pública  do  processo  de  Concessão  da  Ceasa, aberta no dia 6 de julho, pode ser acompanhada através do site SDE. Toda a população  baiana  pode  participar  do projeto, enviando sugestões  através de formulário próprio disponibilizado no site e do e-mail: concessao.ceasa@sde.ba.gov.br.

Nesta quarta-feira (1), a SDE realiza uma audiência pública, em formato exclusivamente virtual, para apresentação do Projeto de Concessão da Ceasa. A transmissão ao vivo será disponibilizada a partir das 14h, no canal do YouTube da SDE. O público poderá se manifestar durante a audiência virtual por meio do formulário que estará disponível na descrição da transmissão.

A Ceasa e a concessão

A concessão, segundo a SDE, será por um período de 35 anos, e prevê que o futuro concessionário ficará responsável por construir quatro novos galpões, uma praça de alimentação, um prédio logístico de funcionários, instituir o Banco de Alimentos, Banco de Caixas, Central de Tratamento de resíduos sólidos, um local para desenvolvimento de projetos sociais, um novo frigorífico, reforma dos cinco galpões existentes, ampliação da área de carga e descarga, implantação de estacionamentos e área de convivência, além de operar adequadamente o equipamento. 

A concessão será feita para gestão, ampliação, modernização e manutenção da Central de Abastecimento (Ceasa-Ba). Segundo a SDE, o projeto é um ideal de requalificação da infraestrutura que atenta para o desenvolvimento social e humano. Dentre os objetivos, estão: redução do tempo de distribuição dos produtos, oferta de novos itens, maior aproximação entre o produtor e o distribuidor e uma expansão que aperfeiçoe a competitividade gerando assim melhores preços ao consumidor. 

A Central de Abastecimento da Bahia (Ceasa) foi fundada em 28 de março de 1973 com a finalidade de racionar e otimizar os processos de comercialização e abastecimento de produtos alimentícios, disponibilizando infraestrutura, gerenciamento, apoio logístico e serviços complementares. O equipamento atende a supermercados, hotéis, restaurantes, hospitais e pequenos comerciantes.

A Ceasa comercializa hoje, em média, 140 itens que compõem a cadeia de produtos hortifrutigranjeiros. Cerca de 75% dos produtos hortifrutigranjeiros que chegam na Ceasa são de origem baiana e 25% demais estados. A estimativa de movimentação financeira é de R$ 140 milhões por mês. 

O espaço possui 941 mil metros quadrados de área total e 493 mil metros quadrados de área construída. São 206 boxes, 1.050 pedras e 89 toldos, além de uma estimativa de 1.300 ambulantes. Circulam em dia de feira em média 8.000 pessoas entre compradores, prestadores e usuários. A Ceasa comercializa em média 44 mil toneladas de produtos por mês. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

Fonte: Correio

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