Na memória: restos do prédio da Acbeu da Vitória vão parar em outras construções
Ao ler a palavra ‘alive’, um estudante do Acbeu certamente a traduziria para ‘vivo’. Da mesma forma que ele desejaria que cada canto do prédio, que durante 40 anos sediou uma das mais prestigiadas escolas de inglês de Salvador, seguisse vivo após o local ser destruído para dar lugar a um empreendimento chamado Alive.
O ‘acbeuiano’ pode ficar aliviado. Afinal, diversas partes da estrutura do antigo centro cultural no Corredor da Vitória serão reutilizadas em outras construções, no conceito de “prédios recicláveis”.
O palco não receberá mais espetáculos teatrais, mas o tablado vai virar o piso de uma fazenda em Ibicoara, na Chapada Diamantina. O icônico portão azul irá decorar um prédio do século XVII na Rua Chile. Já a mesa de tantos ‘the book is on the table’ (o livro está sobre a mesa), deixará os livros de lado para sediar os jantares das enérgicas famílias da Ladeira da Preguiça.
A iniciativa, pioneira na Bahia e no Brasil, é parceria do consórcio das empresas Capa, Civil, Dona e Leão, responsáveis pela construção do Alive, com a Arquivo, primeira empresa da América Latina especializada neste segmento, já popularizado em cidades europeias.
“É algo que já é praticado no mundo e que agora chega ao Brasil. Após ser desmontada, parte da estrutura é vendida para arquitetos, construtoras e pessoas no geral para utilizarem em seus projetos, enquanto o restante é doado para organizações e pessoas de baixa renda”, detalha Pedro Alban, arquiteto e sócio da Arquivo.
Os materiais reaproveitados são, principalmente, móveis e estruturas de madeira, pedra e aço. Um dos grandes desafios é convencer os compradores de que esses produtos reciclados possuem qualidade igual ou até superior a de materiais de construção novos.
“É importante retirar essa imagem de que seria um material inferior, sendo que, na verdade, tem muito material de reuso que está em condições melhores. Acbeu, por exempplo, é de 1972.
Era uma época que você tinha muita madeira que hoje em dia é proibida, como pau d’arco, de qualidade muito elevada e nobre. Além disso, por conta da idade, essas madeiras já estão secas, sendo que as novas estão úmidas e podem envergar. No caso das pedras, algumas mais antigas podem ter vindo de jazidas que não existem mais e, após polimento, parecem novas”, exemplifica Pedro.
Todo material reaproveitado passa por avaliações de qualidade e estética. No caso das madeiras, é visto se elas têm cupim e todos os pregos são retirados. “Existe uma preparação para entregar produtos de melhor qualidade ao consumidor”, ressalta o arquiteto.
O arquiteito Rodrigo Sena comprou o antigo portão de entrada de Acbeu (Foto: Nara Gentil/CORREIO) |
Compromisso ambiental
Com os centros urbanos cada vez mais ocupados, muitas vezes a solução para construir um empreendimento novo passa pela demolição do antigo. Foi o que aconteceu com o Alive, cujas construtoras precisaram comprar um terreno já ocupado no Corredor da Vitória, uma das regiões mais nobres de Salvador.
“O Alive tem esse conceito socioambiental e levamos isso em conta para realizar essa ação, que além de respeitar o prédio que estava ali com toda a sua história, ajuda o meio ambiente. Muitas vezes ficamos naquela ideia imediata, de captação de energia solar, mas o reaproveitamento de material, talvez, seja a base da sustentabilidade. Você dá um ciclo de vida maior ao material, que pode ter uma funcionalidade em outro lugar”, conta Carlos Andrade, Diretor da Capa Concepts.
“Eu gosto muito, pessoalmente, desta ação. Penso muito nessa ressignificação da atividade imobiliária. A gente não precisa chegar nos locais de maneira ostensiva. Pode contribuir com aquela vizinhança. Temos essa mentalidade de contribuir com a sociedade”, conclui o diretor.
O Alive será um empreendimento reunindo apartamentos ‘stúdio’, salas de escritório e salas comerciais.
‘Preserva a história’
Boa parte dos materiais, como o portão de entrada, foi comprada pelo arquiteto Rodrigo Sena para ser instalado no casarão onde mora, na rua Chile. Ele optou pelos materiais reutilizados por conta da história.
“Acredito que os materiais podem ir muito além do primeiro uso. E encontrar novos usos, respeitá-los e valorizá-los. Grande parte dos materiais encontrados no próprio casarão, que tem mais de três séculos de existência, foi ou está sendo reaproveitada para as mais diversas finalidades. De toras de madeira seculares a peças de ladrilho antigas, buscamos reutilizá-las tanto na obra em si como na produção de mobiliários, por exemplo”, conta o proprietário
Fonte: Correio